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Série: A legislação e a realidade – Parte 3 – Direito Trabalhista


Chegamos a terceira e última parte da série. Esperamos que essa pequena exposição feita nos três artigos seja suficiente para ilustrar um dos caminhos pelos quais as forças influentes atuam. Por tais métodos, não são só direitos que são negados ao gênero masculino, mas fomentada a formação de uma cultura unilateral, incutindo continuamente a noção falsa que o homem é privilegiado em tudo, quando em verdade assim como a mulher ele também tem suas dificuldades e discriminações plenamente presentes no dia a dia, talvez apenas o hábito de reclamar é menor como decorrência da ausência na mídia de matérias relacionadas a gênero com enfoques a seu favor.
Nos dois primeiros artigos desta série focamos na Agenda21, um documento que em tese trataria apenas questões ambientais, mas que efetivamente transborda para relação de gênero. Neste terceiro artigo focaremos apenas no Direito Trabalhista. Mas a mesma dificuldade para tutela de seus direitos o público masculino pode sentir no Direito Civil (alimentos, guarda etc que padecem de uma cultura preconcebida), no Direito Criminal (que não contém proteção igualitária para o homem agredido, em especial no tocante a violência doméstica), no Direito Social (passados mais de duas décadas da edição da Constituição ainda não foi regulamentada a licença paternidade que deveria ser ampliada dos meros cinco dias e custeada pela previdência), no Direito Processual Civil (que prevê foro privilegiado para a mulher no divórcio mesmo quando ela tem comprovadamente mais recursos, instrução e meios de defesa).
Em suma, essa é a realidade que o Estado brasileiro se recusa a rediscutir, a menos, claro, até que o clamor público palpite nas pesquisas eleitorais. Vamos à nossa opinião relacionada ao foco de hoje, realmente o que interessa neste artigo.

I – Negação ao homem do intervalo de 15 minutos concedidos à mulher

A CLT contém norma em capítulo textualmente aplicável apenas a mulher que diz:
Art. 384 - Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de 15 (quinze) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho”.
De saída, para repelir a utilização indevida da expressão “textualmente aplicável apenas à mulher”, lembramos que a melhor doutrina (lição dos autores) aponta a interpretação meramente literal como a mais pobre e tosca de todas.
Como consequência da literalidade tosca dessa norma, se um homem e uma mulher laborarem em sobrejornada sem um prévio descanso de 15 minutos, ela receberá essa hora-extra mais 15 minutos a título da falta de descanso, o que importa para ela uma hora e 15 minutos remunerados, sem igual pagamento para ele por esses 15 minutos.
Pode parecer pouco, mas ao final isso vai expressar uma boa diferença no holerite (eis que também pode repercutir no Descanso Semanal Remunerado, Férias, 13º etc), porquanto há evidente questão financeira em jogo. Claro que há ilustres insurgentes contra essa evidente e injustificável discriminação, mas a posição majoritária jurisprudencial (decisões reiteradas) da Justiça do Trabalho ainda é pela aplicação dessa norma apenas em prol da mulher. Entre os argumentos está a alegação de que a mulher faz dupla jornada ou por ser fisicamente mais fraca.
Não se justifica, explicaremos.
Em primeiro lugar porque não são todas as mulheres que fazem dupla jornada (como muitas solteiras sem filhos que nem sempre são responsáveis pelo lar, as que não detêm a guarda, as quais é o marido ou parceiro é responsável pelo lar e filhos. Quem duvida basta passar na porta de uma creche pública e ver muitos pais levando seus filhos antes do serviço e buscando ao final da tarde. Em tais situações há milhões de casais que não se amoldam a justificativa). Ademais, sequer essa é a causa da proteção definida na CLT, cuja razão repousa justamente no fato de, no passado, os serviços ser muito pesados e com isso considerada a menor força física da mulher.
Observando por outro lado o mesmo fato, existem homens que detêm a guarda dos filhos, maridos ou parceiros que cuidam do lar e/ou dos filhos mesmo na constância da relação conjugal, daí se pode afirmar que nos dias atuais existem milhões de homens que não vão se beneficiar do acréscimo na remuneração mesmo sendo eles os agentes que estão em dupla jornada.
Por outro ângulo, no final das contas a injustiça abarcará a todos os homens, pois mesmo aqueles que não fazem dupla jornada ou não são encarregados da guarda unilateral dos filhos, eles retornarão para seus lares com rendimento ao fim do mês menor que as mulheres que trabalham na mesma função, fazendo tábua rasa ao argumento (verídico) que igual trabalho deve importar igual remuneração.
Ainda por essa vereda e com um agravante, os homens que não detêm a guarda estão sujeitos a pagar pensão aos filhos (duas famílias que dele dependem, a anterior e a atual, duplo arrimo de família), o que importa dizer que estes sempre estão sobrecarregados pelo viés financeiro, não se justificando ter renda menor.
Já se for enveredar pelas discussões meramente formalistas e a irreais, pode-se justificar que a norma apenas apregoa 15 minutos de intervalo, cabendo à mulher aguardar sem remuneração os 15 minutos para só então iniciar a jornada extra. Contudo, essa seria uma mentira fática, eis que assim não ocorre rotineiramente na prática, importando desconsideração da realidade e isolamento no mundo da imaginação formal. Essa falsa solução constitui flagrante injustiça que imporia impor à mulher sair mais tarde do serviço e ao homem laborar em situação de maior desgaste sem contrapartida financeira pela supressão do intervalo. E, para que não invoquem o status formal da norma em sobreposição aos fatos reais, defendendo essa injusta solução, lembro a lição de envergadura do irreparável J. J. CANOTILHO:
“Interpretar uma norma constitucional consiste em atribuir um significado a um ou vários símbolos escritos na Constituição com o fim de obter uma decisão de problemas práticos normativo-constitucionalmente fundada” (Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2ª Ed. Coimbra. Livraria Almeida, 1998, p. 1.074, citado por Vólia Bonfim Cassar, Direito do Trabalho, p. 108 – g.n.).
Igualmente não se justifica a questão da força física mais elevada do homem, a única que constitui causa dessa norma editada em outros tempos, isso porque já há normas que tutelam a mulher nesse aspecto suficientemente, impondo que o serviço dela seja bem mais leve (60 kg para o homem em face de 20/25 para a mulher). Ademais, essa suposta justificativa (a questão da força) para os 15 minutos não satisfaz e não se explica em face de serviços intelectuais, técnicos e muitos outros que não importam força. Como justificar em tais casos?
Também deve ser observado que ocorre mais acidente de trabalho envolvendo homens, o que demonstra necessidade de maior tutela especialmente na sobrejornada. Uma prova de tanta morte masculina (por variadas causas) prematura é que pela Previdência Social/INSS há cerca de 5 milhões a mais de pessoas do sexo feminino beneficiadas por pensão por morte do contribuinte (considerados os pensionistas a partir da maioridade, 18 anos). Ou, noutra linha, o homem contribui muito para a previdência mas muitas vezes para não receber, apenas para deixar.
Uma das maiores juristas da atualidade, a desembargadora do TRT da 1ª Região (RJ) VÓLIA BOMFIM CASSAR se manifesta contra essa flagrante e injustificável discriminação:
As novas condições tecnológicas permitem condições de trabalho menos penosas e desenvolvidas com menor esforço físico, favorecendo os trabalhadores mais frágeis fisicamente, estimulando a inserção no mercado de trabalho da mulher e do menor. Os primeiros escritos foram no sentido de proteger tanto a mulher quanto o menor dos ambientes imorais nocivos à integridade física destes, pois eram considerados à época como relativamente incapazes”.
(...)
Em face da igualdade preconizada nos art. 5º, I, e 7º, XX, da CRFB, não foi recepcionado o art. 384 da CLT, bem como qualquer outra norma discriminatória concernente à jornada, hora extra, compensação, trabalho noturno, descanso diferenciado ou intervalo especial. Por este motivo, foi cancelada a Súmula nº 108 do TST. Em face disso, aplicam-se à mulher as mesmas restrições e normas dirigidas aos homens, salvo quando relacionadas com a sua parte biológica (maternidade, amamentação, aborto etc), pois neste caso não se estará discriminando e sim protegendo-a. Da mesma forma a IN 1/88 do MT” (Direito do trabalho. 5ª Ed. Niterói: Impetus, p. 576, 2011 – g.n.).

II – Proibição de revistas íntimas

Fosse prevalecer essa discriminação (remuneração apenas da mulher pelos 15 minutos), tantas outras poderiam injustamente prevalecer, algumas já citadas pela autora acima transcritas: “qualquer outra norma discriminatória concernente à jornada, hora extra, compensação, trabalho noturno, descanso diferenciado ou intervalo especial”. No mesmo sentido, VÓLIA BOMFIM CASSAR esclarece com inteira razão:
“O art. 373-A da CLT proíbe revistas íntimas, discriminações e abusos contra os trabalhadores em geral. Apesar de a norma estar incluída no capítulo da proteção da mulher, a regra deve ser estendida também para o homem” (Obra citada, p. 964).
Perguntamos: Alguém dúvida que a norma que decorre do citado art. 373-A da CLT deva ser estendida ao homem? A resposta que conduza a negação da extensão dessa norma em prol do homem importa solução que ofende diretamente direitos da personalidade, como o direito à imagem, à honra, à dignidade da pessoa humana e tantas outras Garantis Fundamentais protegidas na Constituição e tão caras à integridade humana. Foi justamente nesse sentido que recentemente decidiu o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, assim divulgado em seu site:
O principal pedido do trabalhador na ação que moveu contra o supermercado, porém, foi o de danos morais. Ele conta que em, 7 de agosto de 2006, foi acusado, com mais três funcionários (um deles o filho do proprietário) de ter se apropriado indevidamente da quantia de R$ 3.230.
A direção do supermercado não teve dúvida, e levou todo mundo para um quarto, onde o reclamante foi submetido a revista pessoal, “sendo obrigado a se despir, ficando apenas com roupa íntima, em situação constrangedora e vexatória diante dos colegas de trabalho”. A primeira testemunha do reclamado confirmou que foi imputada ao reclamante a autoria do delito relativo à apropriação do dinheiro do caixa, e afirmou que “os 4 funcionários foram responsabilizados pelo sumiço do dinheiro”, entre eles o reclamante, e “chegaram a ir para a delegacia”. Já a testemunha do trabalhador, uma mulher, uma das acusadas do delito, disse que, “saiu da sala no momento em os outros três foram revistados, chegando a ouvir o gerente dizer para eles tirarem a camisa e abaixarem as calças”. Uma segunda testemunha do reclamado confirmou que “os três inclusive o reclamante foi quem ‘agitou’ na hora entraram em consenso que teriam que ser revistados e o foram; que somente levantaram as roupas não ficando de roupas íntimas; que os próprios funcionários se revistaram”.
O trabalhador comunicou o fato à autoridade policial, sendo registrado boletim de ocorrência sob o título de constrangimento ilegal. Ele diz que, “além da humilhação sofrida, houve atraso no pagamento de seu salário por quinze dias, o que provocou a inclusão de seu nome nos serviços de proteção ao crédito”. Ressalta o trabalhador, ainda, que o valor em questão foi dividido entre os quatro acusados e descontado em dez parcelas.
A empresa se defendeu, dizendo que o montante desaparecido correspondia à “sangria” do caixa, “sendo solicitada a presença dos empregados do setor, os quais nada esclareceram sobre o ocorrido”, porém, ela negou que tenha feito revista pessoal, nega que o reclamante tenha se despido e nega ter imputado a autoria do delito a ele.
Indignado, o reclamante pediu na Justiça do Trabalho indenização por dano moral no valor de 500 salários mínimos. A sentença reconheceu que o comportamento do empregador foi “abusivo”, “seja em razão da revista pessoal efetivada de forma vexatória, seja em razão da acusação pela prática do delito, sem qualquer prova de autoria”, e arbitrou em R$ 15 mil a indenização por dano moral, ressaltando que “o valor pretendido pelo obreiro (quinhentos salários mínimos) mostra-se excessivo e desproporcional ao dano sofrido”.
Inconformado com a sentença, recorreu o reclamado, pretendendo a reforma da sentença que deferiu a indenização por dano moral, sustentando que “o reclamante não sofreu constrangimento”. Para a relatora do acórdão da 5ª Câmara do TRT, desembargadora Maria Madalena de Oliveira, “a discussão cinge-se à possibilidade ou não de o empregador, por possuir o direito de propriedade, realizar revista pessoal em seus empregados”. Ela destaca que em tais casos, há “um conflito entre dois direitos fundamentais, quais sejam: direito à intimidade versus direito à propriedade, ambos assegurados pelo artigo 5º, da Carta Política, incisos X e XXII, respectivamente”.
O acórdão apresentou uma vasta relação de métodos de interpretação, bem como determinados princípios específicos de interpretação constitucional, porém, para dirimir a questão relativa à colisão de direitos fundamentais, valeu-se do princípio da unidade da Constituição, segundo o qual: “o texto de uma Constituição deve ser interpretado de forma a evitar contradições (antinomias) entre suas normas e, sobretudo, entre os princípios constitucionalmente estabelecidos. O princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a Constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar”.
A decisão salientou que “para a dissolução do conflito, necessariamente, um direito irá prevalecer sobre o outro”. E num “juízo de ponderação para que se verifique qual direito deve prevalecer”, ressaltou que “o poder diretivo e fiscalizador do empregador assegurado pela CLT (art. 2º), não é ilimitado, há de ser moderado e exercido sem abusos para com a pessoa do empregado, pois ele não retira do trabalhador a sua condição de cidadão, possuidor de direitos, dentre eles o de ser respeitado na sua intimidade e vida privada” (Disponível em http://www.trt15.jus.br/noticias/noticias/not_20110721_01.html – acessado em 26.07.2011, sob o título “Supermercado terá de indenizar trabalhador obrigado a se despir para ser submetido a revista” – por Ademar Lopes Junior – relacionado ao processo 0105400-22.2007.5.15.0064).
Face ao exposto, o que concluo é que imprescindível que o art.384 da CLT tenha interpretação conforme.
Mais uma vez, utilizo-me da lição clara e de lapidada de VÓLIA BOMFIM CASSAR:
“Não é a Constituição que deve ser interpretada em conformidade com a lei, mas sim a lei que deve ser interpretada em conformidade com a Constituição” (Obra cit., p.121) .
O que os homens devem fazer daqui para frente é questionar JUDICIALMENTE cada vez mais essas normas inconstitucionais que não remuneram de forma igual, igual trabalho.
Repita-se: igual trabalho, igual remuneração. A questão toda, entre outras razões, se coloca nesse patamar. Para ler mais a respeito, clique aqui.
MDI

2 comentários:

Rayearth disse...

Homens tambem tem jornada dupla, exemplo disso era meu pai que era saparado. Nós dois moravamos sozinhos e ele teve que me educar, cuidar de mim, me levar para o colégio entre outras coisas.

Mas absurdo é a revista íntima, quando é o homem a ser revistado pode ser qualquer um, agora quando é a mulher fazem frescura e ainda por cima a mídia faz alvoroço.

Muito bom artigo

Seth Dragoon blog disse...

Rayearth, entenda algo, não somente trabalhar e cuidar de filho é ter dupla jornada, vejamos os homens que trabalham em vários bicos o dia todo para conseguirem sustentar suas famílias, é também uma forma de múltiplas jornadas, e que é a realidade de um sem número de homens.

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